quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os silêncios...


Um dia bateram-me à porta e anunciaram-me que o governo tinha decidido cortar-me meio subsidio de Natal. Apesar de inconstitucional, compreendi o sacrifício que o Governo me pedia.

Noutro dia bateram à porta do meu pai e anunciaram-lhe que iam cortar meia pensão do Natal. Apesar de considerar que era um roubo, ainda admiti, porque o pais estava em estado de emergência.

Depois bateram-me à porta e anunciaram que me iam tirar dois meses de salário e dois meses de pensão ao meu pai. Depois da estupefacção resignação.

A 7 de Setembro, bateram-me à porta para me anunciar que tiravam 7% do salário para dar 5,75% ao patrão e ficavam com os trocos, em principio para os cofres da Segurança Social.

Desta vez fiquei indignado. Achei que estava a ser roubado e que estavam a transformar os patrões em receptadores do dinheiro roubado. Em reacção, corri para a rua para protestar.

Bateram-me mais uma vez à porta e informaram-me de que o ministro das finanças ia reescalonar as taxas de IRS, de modo a torna-lo mais progressivo.

Imaginando que iam poupar os rendimentos mais baixos e taxar fortemente os mais altos, pensei que o Governo, finalmente, voltava ao trilho da lei.

Mas para surpresa minha, voltaram a bater-me à porta para me ameaçarem com aumentos brutais no IMI. A minha indignação transformou-se em ira e juntei-me ao movimento nacional de resistentes ao pagamento do IMI.

Ainda mal refeito do choque do IMI, bateram-me novamente à porta para me mostrarem nos jornais, em grandes parangonas e cinco colunas, os novos escalões de IRS. Afinal aumentaram as taxas dos rendimentos mais baixos, menos os dos mais altos e não criaram nenhum escalão para os mais ricos. E a progressividade do rei dos impostos diminuiu. A minha raiva subiu de tom e resolvi não mais voltar a votar no PSD e estou preparado para qualquer acção revolucionária que apareça. Ao fim e ao cabo eu o meu pai e a minha família já não temos nada a perder.

J. Nunes de Almeida, Ericeira

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Pese embora a possibilidade de alguns poderem relevar algumas imprecisões do escrito, pesa muito mais a pública tomada de posição.

E na oportunidade poderá interessar recordar um dos motivos porque Brecht é citado em titulo; mas não apenas ele

- Maiakovski, poeta russo escreveu, no início do século XX :

Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite,
já não se escondem,
pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles,
entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.

Maiakovski (1893-1930)

- Depois Bertold Brecht escreveu:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht (1898-1956)

- Em 1933 Martin Niemöller criou o seguinte poema:

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram
meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei .
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar…

Martin Niemöller,(1892-1984)– símbolo da resistência aos nazistas.

- Em 2007 Cláudio Humberto presenteou-nos assim:

Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima,
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
Depois fecharam ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho…

Cláudio Humberto, em 09 Fevereiro de 2007

- Também Martin Luther King (1929.1968):

O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética… o que mais me preocupa é o silêncio dos bons!.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Lutando contra a pobreza

Arroz de cordéis
Há uns anos, ficou célebre a receita de Filipa Vacondeus de um arroz com aroma de chouriço, em que o segredo consistia em cozinhar os cordéis dos enchidos para aproveitar o sabor.
Apesar de ainda não ter aparecido uma receita tão emblemática, nestes anos que já levamos de «entroikados» são milhares os conselhos para poupar e viver com pouco. Como os elogios à «alegria da pobreza» evocam demasiado os anos do fascismo, houve que modernizar o conceito. Agora usa-se low-cost não só para viagens de avião mas para lojas de comida, clínicas dentárias e cabeleireiros. As grandes cadeias de supermercados desdobram-se em conselhos cheios de responsabilidade social: distribuem receitas do mais saudável e baratinho que há, garantem que os «produtos básicos» não aumentam, explicam como alimentar uma família com um euro, até se atrevem a ensinar-nos que «a carne de hoje é o empadão de amanhã».
Programas e rubricas a ensinar a poupar ocupam horas de televisão: do copo para lavar os dentes de Isabel Jonet, aos minutos verdes da Quercus, passando pelos passatempos nos programas da tarde em que quem ganha vê as facturas em atraso pagas, vale tudo. As lojas de produtos em segunda mão e os sites de troca quase directa florescem. As reportagens sobre desempregadas de longa duração que sobrevivem a vender bijuteria ou doces através da internet repetem-se à exaustão. Os artigos a gabar as vantagens para a saúde de levar marmita para o trabalho são a versão moderna do elogio aos pobrezinhos mas honrados.
E no entanto, por mais torneiras que se feche e luzes que se apague, por mais cartões, talões e outras promoções que se use para ir às compras, por mais refeições que se substitua por sopa ou Nestum, por mais pechinchas que se descubra, a verdade é só uma e chama-se empobrecimento. Com mais de um milhão no desemprego, com os salários cortados e os impostos asfixiantes, com os aumentos escandalosos nos bens essenciais, não há milagres nem receitas mágicas que disfarcem que os meses têm mais dias que salário. E que os portugueses estão mais pobres.
É por isso que o que o País precisa é que os trabalhadores lutem e conquistem aumentos de salário, emprego com direitos, produção nacional. É esse o caminho do futuro.
 
Por: Margarida Botelho
 
in: Jornal Avante