Os dias confundiam-se uns nos outros como se fossem um relógio sem ponteiros. Ainda lhe acontecia acordar de manhã, bem cedo, e saltar da cama com medo de estar atrasado, receando enfrentar a fila de trânsito, no seu fato de executivo, com o suor a correr.
Depois, quando abria melhor os olhos e o sono se dissipava, apercebia-se de que não havia razão alguma para se levantar, e que aquilo que sentia era pertença do passado, do tempo em que era alguém. Sentia a azáfama na casa, a mulher a arranjar-se para ir trabalhar e os dois filhos a caminho da Universidade. Ficava de olhos fechados, a fingir que dormia, mas também, a verdade é que fingia que estava acordado durante o dia.
Os amigos tinham-lhe explicado em uníssono a sorte que tivera em ser convidado a reformar-se mantendo ordenado e regalias. E ele abanava a cabeça e dizia que sim claro. Nos primeiros dias, fizera uma lista de tudo quanto podia fazer, uma vez que não tinha nada para fazer. Mas depois sobravam-lhe os dias e descobriu que era velho de mais para ser novo, e novo de mais para ser velho.
Tentou a rotina de se sentar no café a ler o jornal, pela manhãzinha, mas, a seu lado, só via velhos com o cigarro a pender nos cantos da boca, e outros como ele, aparvalhados, ainda com fato de executivo vestido, todos – eles e ele – de gravata, que os hábitos morrem com dificuldade. Cansara-se dos livros, dos filmes, dos outros.
Cada vez falava menos e sabia que era uma sombra que pairava pela casa. Sem emprego, não tinha identidade. Já não era o pai que chegava a casa ao fim do dia com todas as respostas. Ou o marido que sabia coisas.
Agora dera em passar a pé por Lisboa. Metera-se-lhe que um dia, sem aviso ou razão, ao dobrar uma qualquer esquina, ia deparar-se com um futuro.
Por: Luísa Castel-Branco
artigo tirado dos jornais
Depois, quando abria melhor os olhos e o sono se dissipava, apercebia-se de que não havia razão alguma para se levantar, e que aquilo que sentia era pertença do passado, do tempo em que era alguém. Sentia a azáfama na casa, a mulher a arranjar-se para ir trabalhar e os dois filhos a caminho da Universidade. Ficava de olhos fechados, a fingir que dormia, mas também, a verdade é que fingia que estava acordado durante o dia.
Os amigos tinham-lhe explicado em uníssono a sorte que tivera em ser convidado a reformar-se mantendo ordenado e regalias. E ele abanava a cabeça e dizia que sim claro. Nos primeiros dias, fizera uma lista de tudo quanto podia fazer, uma vez que não tinha nada para fazer. Mas depois sobravam-lhe os dias e descobriu que era velho de mais para ser novo, e novo de mais para ser velho.
Tentou a rotina de se sentar no café a ler o jornal, pela manhãzinha, mas, a seu lado, só via velhos com o cigarro a pender nos cantos da boca, e outros como ele, aparvalhados, ainda com fato de executivo vestido, todos – eles e ele – de gravata, que os hábitos morrem com dificuldade. Cansara-se dos livros, dos filmes, dos outros.
Cada vez falava menos e sabia que era uma sombra que pairava pela casa. Sem emprego, não tinha identidade. Já não era o pai que chegava a casa ao fim do dia com todas as respostas. Ou o marido que sabia coisas.
Agora dera em passar a pé por Lisboa. Metera-se-lhe que um dia, sem aviso ou razão, ao dobrar uma qualquer esquina, ia deparar-se com um futuro.
Por: Luísa Castel-Branco
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