quinta-feira, 19 de julho de 2012

A Solidariedade Intergeracional




O peso das palavras

 Corria o ano de 19978 quando António Arnout se deslocou a Leiria para participar numa sessão de esclarecimento promovida pelos sindicatos, sobre o lançamento do (SNS) Serviço Nacional de Saúde. Numa sala onde pontificava um aguerrido grupo de pessoas hostis, o então ministro dos Assuntos Sociais teve que encaixar desde logo a acusação de ser inexplicável um advogado estar a decidir sobre a saúde dos portugueses. Veio depois um dos mais destacados membros daquele grupo reacionário acusar António Arnout, de dedo no ar, de que o seu objetivo seria tão só o de destruir as misericórdias que tinham na exploração dos hospitais a principal fonte de receitas.

Com uma serenidade impressionante o ministro retorquiu ao provocador com uma frase que nunca mais esqueci: “Se me acusa de querer acabar com a miséria sempre lhe digo que isso é um elogio, mas estou longe de me sentir possuído de competência para tão grande tarefa. Na certeza de que só no dia em que acabar a miséria, as misericórdias deixarão de existir, pois uma coisa depende da outra.”

Naquele momento tive uma estranha sensação de perceção do peso das palavras.

Vinte anos depois fomos sacudidos por um novo debate vigoroso, desta vez em torno do chamado “Livro Branco da Segurança Social”. Ainda que a relação e forças não fosse de todo favorável a uma evolução plenamente satisfatória, houve algumas coisas positivas nesse processo. O debate ficou marcado por um novo conceito, perigoso, que se pretendia redutor de todo o processo de evolução futura da Segurança Social, e que a partir daí ficou conhecido por “solidariedade intergeracional”.

Para os tecnocratas que se infiltraram na discussão, o sistema tinha de ser definido por um de dois modelos possíveis, reduzindo a Segurança Social a mera peça financeira, e sendo assim teria de funcionar ou em regime de redistribuição ou de capitalização. Pudicamente, e para não terem de decidir por uma das partes, os responsáveis pelas conclusões optaram por uma dúbia designação de “capitalização atenuada”, baseados na existência do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, alimentado pelo superavit do sistema.

Mas, em rigor, a nossa Segurança Social funciona em regime de redistribuição.

E o sistema está legal e constitucionalmente enquadrado por dezassete princípios, o terceiro dos quais é o da solidariedade. Este princípio subdivide-se depois em três planos, o nacional, o laboral e o intergeracional.

Vista desta forma, a solidariedade intergeracional vale portanto um terço de um dos dezassete princípios do sistema, ainda que, como ideal possa representar muito mais. O problema é que, essa gente que anda para aí a gritar “solidariedade intergeracional” a torto e a direito, o faz com o objetivo escondido de reduzir a Segurança Social a uma coisa utópica, quiçá misericordiosa e, acima de tudo enquadrável na lógica do lucro. 

E então é fácil apanhar as novas gerações, sem estabilidade profissional ou sem emprego, a refletirem o porquê de financiarem um sistema sobre o qual lhe alimentam as dúvidas se existirá quando chegarem a velhos e tiverem então direito a reclamar o seu quinhão da solidariedade intergeracional.

Hoje a utilização, mesmo por muita gente bem intencionada, desta pesada designação “solidariedade intergeracional”, está a ser instigada na sombra pela alta finança, como alavanca da sua estratégia para dominar o universo financeiro da Segurança Social, o que passa para já por conseguir criar um ambiente psicológico favorável à introdução do chamado “plafonamento”.

Para resistir a esta ofensiva esclarecer é preciso.



Por: Manuel Cruz

As Freguesias a sua diversidade e a sua potencialidade



O Poder Local Democrático foi uma emanação da revolução de Abri, foi uma conquista do 25 de Abril e das populações, o qualificou consagrado na Constituição da República e nas leis que regem o Poder Local. A redução dos órgãos do Poder Local além de ser um exercício centralista é uma atitude revanchista, sendo a mudança do sistema eleitoral e de funcionamento do Poder Local uma manobra para lhe retirar o poder para atacar e eliminar as funções públicas do Estado.

As autarquias de freguesia são uma realidade consolidada no terreno há mais de dois séculos, tal vez iniciada pelas comissões paroquiais e de vizinhos e ao serem consagradas constitucionalmente como uma verdadeira autarquia de caraterísticas eminentemente local, eleita pelas populações e, por consequência, com legitimidade política consagrada democraticamente pelo voto popular.

As freguesias são um caso único no panorama autárquico ao nível europeu e, pela sua diversidade e potencialidade, são de uma extrema riqueza segundo o ponto de vista da proximidade eleitor/eleito. Sob o ponto de vista democrático tem um potencial enorme, onde se movimentam milhares de eleitos, que discutem e interagem com os cidadãos na resolução dos problemas das suas localidades.

Na verdade, nas freguesias do chamado Portugal profundo, existem realidades esquecidas pelo Poder Central comandado “do Terreiro do Paço”, onde a Junta de Freguesia é o único espaço de mediação entre as populações e os serviços públicos. São centenas de homens e mulheres eleitos que diariamente dão o seu tempo do lazer em favor da comunidade e atendem os fregueses, na maioria das vezes com poucos recursos materiais e financeiros, potenciando a vida económica e social em localidades ameaçadas pela desertificação.

Por outro lado, e com outra realidade ainda mais complexa estão as pequenas e grandes freguesias (algumas maiores que a maioria dos municípios portugueses) dos centros urbanos, são os problemas sociais, a primeira porta a que o cidadão bate e um primeiro tampão da resolução de certos problemas. Estes autarcas não dispõem de competências próprias nem de meios humanos e financeiros adequados para dar uma resposta eficaz aos problemas subjacentes.

As autarquias freguesias têm ainda outra característica que é consagrada constitucionalmente, têm uma dupla autonomia, quer face ao Poder Central, quer face aos municípios. Todas as medidas legislativas ou políticas que não respeitem esta dupla autonomia ou que visem coloca-las numa situação de subalternidade orgânica ou dependência financeira são violadoras da Constituição da República Portuguesa.

A autarquia freguesia apesar de estar consolidada institucionalmente e territorialmente está longe de estar consolidada em termos de competências próprias e meios humanos e financeiros em consonância com as suas potencialidades.

As freguesias têm uma transferência anual direta muito pequena do Orçamento Geral do Estado (OGE) e é manifestamente insuficiente para as competências que têm descentralizado ou outras atividades sociais já referenciadas. Muitas delas recorrem aos protocolos anuais de descentralização de competências com os Municípios ou ações e pequenas obras descentralizadas, por mútuo acordo, pelas Câmaras Municipais para as Juntas de Freguesia, por vezes com recursos humanos do próprio município.

Está provado que a pequena obra ou reparação realizada pela Freguesia, por exemplo numa escola do 1º Ciclo, é mais barata e é mais célere do que se fosse executada pelos serviços da Câmara Municipal, quanto mais não seja pela poupança de tempo e de meios em Freguesias, que por vezes estão a muitos quilómetros da sede do Município. A constatação de tal facto justifica plenamente o aumento da percentagem para mais um ponto percentual no aumento direto do Poder Central para as Freguesias.

O que o atual governo prepara no atual pacote da chamada “reforma administrativa do Poder Local” é uma intenção que não serve o poder local, pois que a eliminação de um número significativo de freguesias visa a redução substancial da participação política, eliminar a proximidade entre os titulares de órgãos públicos e o cidadão e retirar expressão e força à representação dos interesses locais.



Joaquim Gonçalves

domingo, 15 de julho de 2012

Mais pobres e mais tristes






Nesta época que atravessamos. Milhares de reformados e pensionistas foram despojados do subsídio de férias!

Vamos ser obrigados e privados de poder apoiar e acompanhar os nossos filhos e netos neste período de férias que justamente merecemos.

O roubo do subsídio de férias constitui a retirada de importante fatia dos nossos rendimentos que nos permita garantir o sustento de vida para fazer face ao aumento brutal do custo de vida e à satisfação básica de gastos na saúde e transportes.

E este roubo vai continuar, segundo as previsões do Governo e a avaliar pelas dificuldades crescentes da nossa economia que se encontra em recessão como consequência da política que arruína o nosso país.

Cresce a indignação e o protesto de milhares de reformados e trabalhadores na mesma proporção que aumenta a falta de credibilidade e da competência dos atuais  governantes, a exigir cada vez mais a sua demissão.

Acentuam-se as desigualdades sociais, cresce a pobreza, aumentam as injustiças sociais como consequência das medidas de austeridade propostas pela tróika e aplicadas diligentemente por este Governo.

A retirada dos meios de proteção social pela Segurança Social a milhares de casais de reformados e idosos, as dificuldades cada vez mais crescentes no acesso aos cuidados de saúde pelo aumento das taxas moderadoras, dos preços de medicamentos, do encerramento de serviços e a tentativa de destruição do Serviço Nacional de Saúde pela ação governativa do atual Ministro da Saúde, a aprovação recente da lei dos despejos que vai obrigar a milhares de reformados e idosos a ficarem sem um teto para continuar a viver, o agravamento dos transportes públicos constituem os aspetos mais gritantes desta ofensiva governamental contra vários sectores da sociedade portuguesa que está mais pobre e excluída.

Marchar contra a resignação, participar nos protestos populares que surgem em todos os pontos do país  contra a troika e os partidos políticos que a subscreveram constitui o caminho que nos levará à vitória da nossa razão da luta.

Em 15 de Julho (hoje) temos a grande Festa do Piquenicão Nacional, em Alpiarça, com a participação de mais de meia centena de Grupos de Cantares das Associações, uma iniciativa do MURPI, sob o lema “Tempo de Festa / Tempo de Luta pelos direitos”.

Prometemos não dar férias nem tréguas a este Governo e está na altura de intensificar a luta e reforçar a esperança e a confiança da nossa força.

De: Casimiro Menezes

In: A Voz dos Reformados

sábado, 14 de julho de 2012

Ecos de um Interior fechado para balanço


 

Uma viagem por entre ameaças e concretizações de encerramentos: tribunais, escolas, extensões de saúde, transportes... Estarão a desistir de nós?

O TRAJETO que nos trouxe até aqui foi traçado no caminho dos ajustes e dos reajustes a uma realidade de perdas. Hoje, somos as réplicas de um abanão económico e social de décadas que deixou profundas feridas na paisagem social. A geografia tornou-se, em vastas áreas da Beira Interior, agreste e a desagregação demográfica deste território tem sido pontuado pelos factos e pelas ameaças.

A demografia tornou-se o pesado fardo de uma Beira Interior em contínuo processo de regressão populacional. Um velho paradigma rural encetou acentuada desagregação rumo ao final de uma história que há muito se adivinha. A região redefiniu-se pela ausência. Pelos que não nascem e pelos que partem em sucessivas vagas. Escusado será referir que esta é a origem de quase todos os ajustes e reajustes. Em derradeira instância é infinitamente mais simples readaptar os serviços públicos existentes ao número dos que os usufruem do que criar condições que estanquem o esvaziamento de toda uma região.

Tribunais, extensões de saúde, transportes públicos, escolas. Entre as ameaças e as concretizações, o mapa da Beira Interior é terreno preferencial por quem define que para menos terá que haver sempre cada vez menos e cada vez mais longe. A agregação de serviços numa geografia em desagregação, de populações rurais rarefeitas por entre um eixo urbano que vai amortecendo, sempre na medida do possível, os furiosos embates dos fluxos do despovoamento. São os derradeiros bastiões de defesa, mas a saída é demasiado intensa, demasiada apelativa pela premência do quotidiano. Guarda, Castelo Branco, Covilhã e Fundão e os seus eixos de influência concentram o vigor disponível de uma oposição à fatalidade do esvaziamento e coabitam, lado a lado, com um mundo rural que  se libertou das datadas dinâmicas que vingaram noutros horizontes temporais, aqueles impostos pela pobreza honrada num quotidiano de sobrevivência e que ainda não se reencontrou.

As escolas foram o primeiro reflexo disto tudo. À porta de centenas de aldeias por toda a Beira Interior chegou, ao longo das últimas décadas, o toque de retirada dos poucos resistentes nas semi-esquecidas salas de aula. A ordem foi reagrupar. Toque a reunir. Criaram-se centros escolares nas sedes de concelho e deixou-se erguido mais um tributo ao insustentável peso do despovoamento que nos ameaça quebrar. Algumas escolas resistiram até ao último aluno que escutava o último professor. Para muitas outras, o definhamento não chegou a tal. A tal ordem de que com menos de 20 alunos não haveria condições para manter as escolas em funcionamento. E 20 alunos é ambição desmedida para quase todas as aldeias da região localizadas em territórios iminentemente rurais. Reagrupem-se, então. Em 2010 anunciava-se o encerramento, por todo o país, de 900 escolas. Em 2011, reiterou-se a ameaça para mais 297. Fácil de perceber onde irá recair o grosso desta medida.

Mas a rede não se limitou a apertar com os despojos destes pequenos mosaicos de Portugal. As próprias vilas e cidades sedes de concelho vêm-se envolvidas neste toque em retirada de serviços públicos.


JF 11 Jul 2012