O Poder Local Democrático foi uma emanação da revolução de
Abri, foi uma conquista do 25 de Abril e das populações, o qualificou
consagrado na Constituição da República e nas leis que regem o Poder Local. A
redução dos órgãos do Poder Local além de ser um exercício centralista é uma
atitude revanchista, sendo a mudança do sistema eleitoral e de funcionamento do
Poder Local uma manobra para lhe retirar o poder para atacar e eliminar as
funções públicas do Estado.
As autarquias de freguesia são uma realidade consolidada no
terreno há mais de dois séculos, tal vez iniciada pelas comissões paroquiais e
de vizinhos e ao serem consagradas constitucionalmente como uma verdadeira
autarquia de caraterísticas eminentemente local, eleita pelas populações e, por
consequência, com legitimidade política consagrada democraticamente pelo voto
popular.
As freguesias são um caso único no panorama autárquico ao
nível europeu e, pela sua diversidade e potencialidade, são de uma extrema
riqueza segundo o ponto de vista da proximidade eleitor/eleito. Sob o ponto de
vista democrático tem um potencial enorme, onde se movimentam milhares de
eleitos, que discutem e interagem com os cidadãos na resolução dos problemas
das suas localidades.
Na verdade, nas freguesias do chamado Portugal profundo,
existem realidades esquecidas pelo Poder Central comandado “do Terreiro do
Paço”, onde a Junta de Freguesia é o único espaço de mediação entre as
populações e os serviços públicos. São centenas de homens e mulheres eleitos
que diariamente dão o seu tempo do lazer em favor da comunidade e atendem os
fregueses, na maioria das vezes com poucos recursos materiais e financeiros,
potenciando a vida económica e social em localidades ameaçadas pela
desertificação.
Por outro lado, e com outra realidade ainda mais complexa
estão as pequenas e grandes freguesias (algumas maiores que a maioria dos
municípios portugueses) dos centros urbanos, são os problemas sociais, a
primeira porta a que o cidadão bate e um primeiro tampão da resolução de certos
problemas. Estes autarcas não dispõem de competências próprias nem de meios
humanos e financeiros adequados para dar uma resposta eficaz aos problemas
subjacentes.
As autarquias freguesias têm ainda outra característica que é
consagrada constitucionalmente, têm uma dupla autonomia, quer face ao Poder
Central, quer face aos municípios. Todas as medidas legislativas ou políticas
que não respeitem esta dupla autonomia ou que visem coloca-las numa situação de
subalternidade orgânica ou dependência financeira são violadoras da
Constituição da República Portuguesa.
A autarquia freguesia apesar de estar consolidada
institucionalmente e territorialmente está longe de estar consolidada em termos
de competências próprias e meios humanos e financeiros em consonância com as
suas potencialidades.
As freguesias têm uma transferência anual direta muito
pequena do Orçamento Geral do Estado (OGE) e é manifestamente insuficiente para
as competências que têm descentralizado ou outras atividades sociais já
referenciadas. Muitas delas recorrem aos protocolos anuais de descentralização
de competências com os Municípios ou ações e pequenas obras descentralizadas,
por mútuo acordo, pelas Câmaras Municipais para as Juntas de Freguesia, por
vezes com recursos humanos do próprio município.
Está provado que a pequena obra ou reparação realizada pela
Freguesia, por exemplo numa escola do 1º Ciclo, é mais barata e é mais célere
do que se fosse executada pelos serviços da Câmara Municipal, quanto mais não
seja pela poupança de tempo e de meios em Freguesias, que por vezes estão a
muitos quilómetros da sede do Município. A constatação de tal facto justifica
plenamente o aumento da percentagem para mais um ponto percentual no aumento
direto do Poder Central para as Freguesias.
O que o atual governo prepara no atual pacote da chamada
“reforma administrativa do Poder Local” é uma intenção que não serve o poder
local, pois que a eliminação de um número significativo de freguesias visa a
redução substancial da participação política, eliminar a proximidade entre os
titulares de órgãos públicos e o cidadão e retirar expressão e força à
representação dos interesses locais.
Joaquim Gonçalves