1ª página do JF de 25 de Dezembro de 2014
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A União de Reformados de Tortosendo, publica, com transcrição completa, o trabalho da jornalista Lúcia Reis sobre o nosso associado Manuel Quinteiro Gomes.
Porque somos apologistas de que a memória não se deve apagar, tomámos esta decisão.
Com esta transcrição felicitamos o nosso associado, Manuel Quinteiro pelo seu testemunho, a Jornalista Lúcia Reis, pela execução deste óptimo trabalho jornalístico e o Jornal do Fundão que vai continuando a desmistificar algumas tiranias do regime fascista.
A MEMÓRIA não é capaz de esquecer. Meio século depois, a dor
psicológica permanece e a revolta ainda grita (e continuará a gritar) no interior deste homem de 80 anos,
reformado dos lanifícios e residente no Tortosendo. Manuel Quinteiro Gomes foi
preso pela PIDE, em 1963, em vésperas de Natal. Foram buscá-lo à Sociedade de Lanifícios
do Tortosendo, onde era operário (E onde foi fotografado pelo JF) e sabe que
jamais esquecerá esse período negro da sua história de vida. Era (e é)
militante do Partido Comunista e esteve três anos preso. Passou pelo Aljube, Caxias, Peniche e foi torturado.
“Cheguei a estar onze meses sem ter visitas”, recorda.
Recuar a esse período negro é como descer ao inferno. A
experiência foi, é, e será sempre, dolorosa. As memórias são muitas, mas nem
sempre as consegue verbalizar. Ficam a meio, entaladas na garganta, pontuando a
narrativa com silêncios e muita revolta. Revolta contra o livre arbítrio,
contra a tortura e contra as atrocidades de que foi vítima. Ele e todos os
outros que deram tudo (nalguns casos a vida) pelos ideais em que acreditavam e que,
por isso – apenas por isso – foram privados de liberdade espancados e
torturados. Lutaram e sofreram por todos nós. Pelo País.
Manuel Quinteiro nasceu no dia 25 de Abril, de 1934. Diz que
a coincidência com uma data marcante da história do país foi uma espécie de
prenúncio da luta antifascista que viria a travar. Cresceu no Casal da Serra. É
o mais velho de cinco irmãos e teve ume vida de sacrifício. Começou a trabalhar
logo concluiu a terceira classe, aos 10 anos. Dois anos depois, começou a
trabalhar na Sociedade de Lanifícios do Tortosendo, onde a GNR o foi buscar
naquela manhã de dezembro, (a mando da PIDE.
Conta que foi o seu mestre de profissão, (Ramiro dos Santos
Almeida, já falecido) que o despertou para a luta antifascista. Aos 16 anos,
fez-se militante do Partido Comunista. “ No Tortosendo era uma honra pertencer
à luta da classe operária e eu identificava-me com esses ideais”, conta,
enaltecendo “a obrigação moral de lutar contra a exploração dos trabalhadores e
de combater a ditadura fascista”. A atividade política consistia, sobretudo, na
entrega de propaganda.
“Havia células nas empresas e os camaradas com maiores
responsabilidades iam passando o material até chegar às bases”, explica Manuel
Quinteiro, sublinhando a camaradagem e importância decisiva do trabalho de
equipa na luta contra a ditadura.
Corria o ano de 1963, a PIDE não dava tréguas. O Tortosendo
era uma referência na luta contra a ditadura. “Queriam apanhar o funcionário do
Partido Comunista, que tinha ligações ao movimento operário na zona. Não
conseguiram, mas prenderam muitos outros. Éramos aí uns 20, sem contar com
aqueles que conseguiram fugir”, emigrando clandestinamente, como, de resto,
Manuel Quinteiro planeava fazer. Foi dos últimos a ser preso e garante que foi
por num triz. “Dois dias antes, tinha tudo pronto para emigrar
clandestinamente, mas tive azar. Caiu um nevão nos Pirenéus e o passador
cancelou a viagem porque não se podia passar. Era para partirmos num sábado e
acabei por ser preso, na segunda-feira seguinte”, precisa. Ganhava, na altura,
26$50 por dia (o que correspondia atualmente a menos de um euro por semana).
Emigrar significava fugir à PIDE e ganhar
mais.
“Naquela segunda-feira, entrei como sempre, às 8 da manhã.
Por volta das 9, apareceu a GNR a mando da PIDE. Levaram-me para o posto, onde
estavam dois PIDEs à minha espera. Nesse mesmo dia outro operário do Tortosendo
foi também preso e encontrei-me com ele no posto. Fomos algemados e levaram-nos
na madrugada seguinte para o Aljube”. Foi o Natal mais amargo da vida de Manuel
Quinteiro e da família. A Mulher, em casa, doente com febre tifoide e dois
filhos, de 6 e 3 anos para alimentar. Ele às mãos da PIDE no Aljube.
“Estava na cela número um. Tinha 90 centímetros de Largura,
por 1,80 de comprimento. Era preciso levantar a tarimba para poder dar três
passos. Foi assim durante 57 dias. Estive completamente isolado. Só via o
guarda e o faxina. Depois… começaram os interrogatórios. Levaram-me para a
António Maria Cardoso (sede da PIDE)”. “Era terrível”, recorda, revivendo com
evidente sofrimento os difíceis dias de prisioneiro.
“Sabíamos que estávamos presos porque alguém nos denunciara e
tudo isso nos afetava imenso”, conta, a custo. Fala frequentemente, no
presente, como se o tempo tivesse parado, quando esteve preso. “São uns
torcionários. Fazem autênticas tiranias. A pior é a tortura do sono”. Sofreu-a
na pele, não sabe durante quantas horas e dias: “Perdi a noção do tempo e de
tudo. Até os nós das tábuas de madeira, pareciam bichos a andar. Foi terrível!
Os presos ou assinavam o processo que a PIDE elaborava como queria, ou eram
esmurrados, espancados e torturados”, explica.
Do Aljube foi levado para Caxias. Diz que a escrita foi
fundamental para ajudar a passar o tempo no cárcere. “Ficaram lá os meus
cadernos desses tempos difíceis e tenho muita pena de não os ter recuperado
porque continham a narrativa da minha condição de preso político”, lamenta. Na
fase inicial, chegou a acreditar que não ficaria preso mais de meio ano. Engano
seu! Ficou três anos preso, cruzando-se com alguns presos políticos conhecidos
a nível nacional, (Veiga de Oliveira, José Magro, Varela Gomes, entre outos com essa solidariedade extraordinária
que ajudava as nossas famílias a fazerem face às despesas e esse gesto deu-nos
um grande alento”, sublinha emocionado.
O julgamento foi no Porto. “fui condenado a 18 meses, mas
fiquei preso 38 meses por causa das “medidas de segurança” (lei fascista que
permitia renovar a pena de prisão).
Fui libertado a 25 de janeiro de 1967 e lembra-se que teve de
passar “13 portões de ferro para chegar à rua”. Embora fora da prisão, só três
anos depois, voltou a ser um “homem livre”, (ninguém era verdadeiramente livre
no Portugal de então. “ Nos três anos seguintes, tive de me apresentar,
mensalmente no posto da GNR”, recorda.
Só sete anos depois, Abril chegou. Olhando para trás, Manuel
Quinteiro interroga-se se terá valido a pena: “Vivo muito apreensivo e
preocupado. A terceira idade está sujeita a uma violência tremenda. Tenho a
minha esposa (tem um problema neurológico) num lar e a mensalidade custa-nos
dois terços das nossas reformas. Somos obrigados a pagar taxas moderadoras e a
esperar 420 dias por uma consulta de neurologia no Centro Hospitalar Cova da
Beira”. Não foi para isto que se fez o 25 de Abril”, lamenta este ex-preso
político.
Por: Lúcia Reis - Jornal do Fundão
Dezembro de 2014
Por: Lúcia Reis - Jornal do Fundão
Dezembro de 2014
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