terça-feira, 15 de maio de 2012

Sobre a suspensão das reformas antecipadas







“Era de noite e levaram quem nesta cama dormia”
De repente veio-nos à memória aquela cantiga do trovados da liberdade. Que imagem mais perfeita para ilustrar a forma como o governo produziu o decreto-lei que suspende a antecipação da idade de reforma. De facto o diploma foi aprovado no Conselho de ministros de 29 de março e promulgado pelo Presidente da República a 5 de abril, sendo nesse mesmo dia publicado como suplemento do Diário da República entrando imediatamente em vigor, não tendo naqueles breves dias saído para a opinião pública a mínima suspeita do que estava a acontecer.
Tudo bem cozinhado entre o governo e a presidência, como quem diz que cá está a prova do que a direita queria dizer quando falava da aspiração de ter um governo, uma maioria e um presidente.
Para uma apreciação com rigor, devemos cingir-nos a dois planos de análise:
--Será que, com esta forma secreta e apressada, foram respeitados os preceitos constitucionais?
--A medida justifica-se e é justa?
Quanto ao primeiro ponto entramos por uma área em que mesmo entre os mais respeitados constitucionalistas lavra a divergência. Há os que defendem que se trata de matéria laboral, logo a discussão pública antes da publicação teria de ser obrigatória.
E há os que entendem que se tal não é necessário, já que o âmbito da Segurança Social se estende por um campo mais amplo do que estrito laboral, não considerando o facto de, neste particular de reformas, estarmos perante direitos que cada um vai constituindo enquanto trabalhador. E há ainda um outro pormenor, que não será de somenos, que é o de que o PS enquanto governo também perfilhou esta  teoria, ou não levando à discussão pública diplomas da segurança social, ou quando o fez dizer que o fazia por mera liberdade, deixando campo aberto ao que agora aconteceu. É por isso que nós não podemos correr atrás de qualquer oposição, sem cuidar de ver a qualidade dela…
Sobre a justificação desta medida, a margem de divergência é mínima. O governo entendeu ser apenas uma questão de números, daqueles que é fácil manipular. Mas a realidade é bem mais ampla.
Segundo os dados disponíveis, que dizem apenas respeito ao número de trabalhadores constantes dos quadros de pessoal depositados no Ministério da Economia, haveria no activo 250 mil trabalhadores com idade superior a 55 anos  e inferior a 65.
Só que ninguém disse, porque nem sequer há qualquer base credível nesta matéria, qual a antiguidade profissional destes trabalhadores. Uma extrapolação simples revela que serão mais de 100 mil os nascidos depois de 1950, que entraram no mercado de trabalho aos 14 anos de idade e que estarão este ano no activo para além dos 61 anos de idade com uma alta probabilidade de terem já uma carreira contributiva de 47 anos, ou seja o mínimo de 42 anos com descontos aos 55 de idade, o que lhes garantia de imediato o acesso à pensão de velhice sem qualquer penalização.
Sendo duvidoso que esta suspensão seja apenas seja apenas por dois anos, estes 100 mil trabalhadores só poderão deixar a vida activa quando perfizerem 49 anos de trabalho! É não só uma imoralidade de todo o tamanho, mas também uma medida inexplicável num tempo em que o desemprego atinge valores assustadores e os mais jovens anseiam que sejam libertados postos de trabalho.
Admitindo que os argumentos do governo teriam um suporte real e que, face ao aumento da esperança média de vida se justificava repensar a flexibilização da idade da reforma por antecipação, então cabe perguntar porque é que não se actuou  de forma  séria levando à discussão com as estruturas representativas dos trabalhadores um recuo temporário de um ano ou dois nos 55 de idade mínima para de acesso à flexibilização? Se assim fosse ainda se poderia admitir um mínimo de justiça na decisão. Mas não era isto o que se pretendia.
Os cérebros da direita que dirigem este tipo  de ofensivas partem do princípio de que é preciso fazer o mal com ciência repartida, na expectativa de que um a enormidade destas apenas seja sentida por aqueles 250 mil trabalhadores obrigados a arrastarem-se no ativo para além do razoável. Está nas nossas mãos levar o protesto a todo o povo e incentivar a luta. Que é de todos e só dela poderá sair um governo que preste.
Por: Manuel Cruz
In- Voz dos Reformados